quinta-feira

Caviar com Salsicha


O que faz um estudante brasileiro, provinciano, quando tem a oportunidade de pôr os pés fora do país pela primeira vez? Bem, já tinha ido ao Paraguai, mas desculpem os paraguaios, isso não conta, não é mesmo?
Quando cheguei a Paris quis logo ir a todos os lugares, dos mais glamourosos aos mais bizarros e, é claro, experimentar todos os tipos de comidas e bebidas que encontrasse (ou que o bolso pudesse pagar!).
Eu tinha muita coisa para conhecer e experimentar. Prometi para mim mesmo que cada dia de minha estada na França experimentaria um vinho diferente. Não preciso nem dizer que não foi preciso nenhum esforço para pagar a promessa. Desconte-se aí, apenas o primeiro mês quando eu ainda não tinha uma residência fixa, mas nos outros meses, cada dia foi regado por um vinho diferente.
Alguns vinhos que provei eram maravilhosos, de uvas cultivadas em terroirs lendários, outros nem tanto. Tudo isso por um custo equivalente a alguns pãezinhos franceses aqui no Brasil que, aliás, de francês só têm o nome! É claro que eu não estou falando daqueles vinhos caríssimos, leiloados a preço de ouro. Estou falando de vinhos populares que na França são muito bons e baratos.
Em meio a essas idas e vindas experimentando vinhos, queijos, croissants e tantas outras guloseimas, uma amiga apareceu com a novidade; “uma ‘épicerie’ está com uma promoção de caviar pela metade do preço.” Segundo ela, era caviar legítimo por uma pechincha!
De início duvidei que fosse caviar verdadeiro, mas mesmo assim fui conferir. Nunca entendi de caviar, mas aquelas latinhas pareciam autênticas. Eram ovas de esturjão, kalouga ou algo parecido. “Caviar russo! Deve ser uma delícia!” Já fiquei imaginando o banquete.
O preço era muito sedutor, por isso peguei logo três latinhas, porque elas me pareciam muito pequenas. Lembrei que eu podia receber visitas no sábado e então seria um bom momento para degustar. “Pensando bem, talvez seja melhor levar cinco ou seis latas, não vai sair tão caro”. Só para garantir levei sete.
Lá fui eu, levando aquelas preciosidades para casa. Mal via a hora de experimentar!
Nessa época eu morava no segundo andar de um apartamento em Colombes, a menos de meia hora de trem, da Gare de Saint Lazare. O apartamento ficava ao lado da estação, era só atravessar a rua.
Subi rapidamente as escadas. Larguei as compras sobre a mesa e abri um vinho para degustar com o caviar. Com certeza não era o vinho mais adequado para a ocasião, mas era o que eu tinha. 





O passo seguinte era preparar o caviar. Aí estava um grande problema! Nunca tinha comido caviar e não tinha a menor idéia de como deveria ser consumido.
Abri uma lata e olhei para aquelas lindas ovinhas brilhantes e acinzentadas que me pareceram muito frágeis, “provavelmente já estão cozidas” foi o pensamento que me ocorreu. “Talvez eu deva acrescentá-las a algum prato do jeito em que estão”. Mas, difícil foi pensar na combinação ideal.
Na falta de idéia melhor resolvi incorporar ao que já estava programado para o jantar; salada de endívia, purê de batatas, frango assado (de domingo), pão e queijo cammembert. Aprendi com os franceses que em qualquer refeição nunca pode faltar pão nem queijo (conselho que acatei depois de passar por alguns constrangimentos, mas isso já é outra história).
Acho que o cardápio não estava tão bizarro para um sujeito que ia jantar sozinho, exceto aquelas ovinhas brilhantes que me pareceram alienígenas quando tentei incorporá-las ao purê. De certa forma me lembrava peixe, no entanto tinha sabor mais leve (um projeto de peixe que não deu certo?). Não foi uma boa idéia, pareceu um purê de batata com nozes e não me agradou.
Pensei que o caviar podia ficar melhor na salada, por isso experimentei com folhas de endívia, azeite de oliva e suco de limão siciliano. As endívias continuaram deliciosas, mas o caviar foi uma decepção!
Olhei para todas aquelas latas de caviar em cima do balcão; “o que fazer com elas? Talvez haja um jeito melhor de aproveitá-las!”.
Como sou muito teimoso, no dia seguinte fiz nhoque de batatas ao sugo e claro, caviar! Bem, o caviar se parecia com sagu, em meio ao molho sugo e, com um delicioso sabor de... (qual era o sabor mesmo? Acho que ainda não descobri!)
Nos dias seguintes ainda tentei criar outros pratos com o ingrediente especial, mas todos foram decepcionantes.
Uma semana depois ainda tinha quatro latas de caviar. Sem a mínima idéia do que fazer, um dia enquanto fazia cachorro-quente resolvi usá-las. Convidei alguns amigos, tão conhecedores de caviar quanto eu, e lá fomos nós; baguete italiana, salsichas cozidas, molho de tomate... e caviar!
O caviar deu um brilho especial ao cachorro-quente, mas no fundo parecia sagu de nozes com salsicha enlatada. Meus amigos até acharam interessante (ou fingiram bem), mas sinceramente, com ervilhas teria ficado melhor!
Caviar com salsicha pode ter sido um sacrilégio, assim como dar pérolas aos porcos, mas foi o modo que encontrei para aproveitar minha preciosa aquisição!
Hoje, passados alguns anos, até tenho alguma idéia de como combinar o caviar, mas confesso que perdeu muito do seu encanto. Acho que ainda prefiro as ervilhas.


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